UM LIVRO PARA NÃO SE LER
UM LIVRO PARA NÃO SE LER
(Daniel Munduruku)
Costumo ir às livrarias para verificar
o que há de novo sobre a temática indígena, especialmente os livros que são
escritos para crianças e jovens. É um hábito que tenho adotado, afinal eu
preciso estar antenado sobre o que se escreve sobre nossos povos, mas
principalmente sobre como se escreve e que como nossa gente é representada seja
através dos textos, seja nas ilustrações.
Bom, o fato é que um dia desses fui à
Livraria da Vila para um lançamento. Enquanto aguardava minha amiga chegar, fui
olhar as prateleiras atrás dos títulos lançados. Nessa livraria os livros são
organizados de maneira muito especial e por isso se consegue identificar os
livros logo na primeira passada de olhos. Próximo a uma prateleira aonde se
concentra muitos dos títulos escritos por mim, tem os livros de outros autores
indígenas e não-indígenas. É aí que me concentro. Vasculho com os olhos, coloco
as mãos na massa e pacientemente vou garimpando cada livro que me reporte à
temática indígena. Encontrei vários lançamentos e alguns ainda irei comentar
aqui neste espaço.
Quero, no entanto, me concentrar em um
livro que encontrei e que me chamou atenção, primeiro pelo título, depois pela
capa e, enfim, pelo projeto gráfico. Ele traz uma proposta interessante logo de
cara, pois é um livro bilíngue tupi-guarani/português. Bravo! Um a zero para o
livro. Depois disso, no entanto, fui ficando cada vez mais decepcionado. Vamos
por parte.
“Cabeça oca, cabeça seca” é o título.
Imaginem o que pensei diante desse título...A imagem da capa é muito caricata e
remete – ao menos para mim – a totens antigos, coisa de museu. No miolo do
livro as imagens se repetem não identificando nenhum povo em particular. A
propósito a capa traz estampada a informação de que é uma edição bilíngue
tupi-guarani/português, como já disse anteriormente. Isso é uma informação que
não explica muita coisa porque o tal tupi-guarani não é exatamente uma língua
falada. Trata-se de uma família linguística que acolhe diferentes línguas. Quem
não está informado a respeito acaba acreditando que esta é uma língua e ponto
final. Aliás.. bom falo disso depois.
Outra coisa que precisa ser dita: o
projeto gráfico não valoriza o conteúdo. As letras são tão pequenas que não ajudam
a leitura do texto. Já na capa há uma grande dificuldade porque o fundo verde
enfraquece as letras brancas não permitindo ler, por exemplo, o nome do autor e
do ilustrador. Mesmo o nome da editora – SESI-SP – fica prejudicado devido o
fundo verde.
Quando a gente abre o livro o pior
acontece: as letras continuam pequenas com difícil leitura e a versão guarani
quase que desaparece totalmente. É preciso muito esforço para acompanhar a
leitura seja em português, seja em guarani.
As ilustrações são totalmente
estereotipadas se pensarmos em nossa diversidade cultural o que prejudica o
jeito de ver os povos indígenas brasileiros. Enfim, é um livro que não pode ser
lido sem levar em consideração essas pequenas observações. Não é um livro que
facilite o trabalho de professores em sala de aula e, penso, não é produtivo,
pedagógico e livre de ideias preconcebidas sobre os povos indígenas brasileiros.
E olhe que nem falei do conteúdo que
seria uma história a parte.
Título: CABEÇA OCA, CABEÇA SECA
autor: Franco Vacarini
Ilustrações: Pablo Picyk
Editora: SESI-SP editora
Ano de publicação: 2014.
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