SOBRE COPAS, COZINHAS E COBERTURAS


Hoje queria falar da cobertura da copa do mundo. No meu artigo anterior quis fazer uma análise sobre o momento que vivemos aproveitando as questões que me pareceram relevantes. Não toquei na questão da abertura do evento porque considerei de uma pobreza extrema. Achei sem criatividade, sem identidade, sem molejo. Não vi a cara do Brasil sendo mostrada naquele momento. Até mesmo a cobertura televisiva considerei um fiasco.
Por isso mesmo não comentei a principal imagem daquela cobertura: o mascote da literatura indígena empunhando uma faixa em que pedia demarcação das terras indígenas. A cobertura televisiva não mostrou esse momento, como não mostrou a vitória da ciência brasileira sobre a impossibilidade de alguém andar. Isso porque não mostrou que há ciência em terras tupiniquins. Escondeu nosso neurocientista maior e escondeu nosso menino Guarani que, como um bom atacante, driblou a guarda da FIFA e mostrou ao mundo a angústia dos indígenas brasileiros: sua luta pelo direito aos seus territórios. A FIFA escondeu, a Globo escondeu, a BAND escondeu, mas o mundo viu e eu também vi atrasado, mas vi.
Claro que a copa não é lugar para mostrar esse tipo de coisa. Há patrocinadores demais querendo vender seus comportados produtos para um público sedento de consumo. São carros, lanches, achocolatados, entre outros que precisam adentrar a casa dos consumidores brasileiros que se reúnem em torno da fogueira televisiva para assistir aos jogos. Entre lances há produtos a serem adquiridos. Nesse templo não pode entrar problemas, demandas sociais, reivindicações. Não há lugar para mostrar coisa feia. Apenas o belo tem que fazer parte do cardápio dos jogos. Somente a harmonia de “ser brasileiro com muito orgulho, com muito amor” é que deve fantasiar a pátria de chuteiras.

Talvez por isso a figura franzina de Jeguaká, um curumim guarani de apenas 13 anos, tenha causado certo impacto no momento em que tirou a faixa vermelha que trazia escondida na roupa e a mostrou para o mundo todo. A faixa dizia simplesmente “Demarcação Já”. Uma frase antiga, mas que ganhou uma nova roupagem ao ser empunhada por um garoto cuja principal alegria é “ser brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Fez um gesto de cidadania. Mostrou que ser brasileiro num campo de futebol, assistindo jogos, é fácil e cômodo. Vestir a camisa de cidadão é mais difícil e complicado do que aparenta.
O gesto de Jeguaká me lembrou da coragem da pequena Malala, menina paquistanesa baleada pelo talibã, que desafiou as regras impostas de não permitir a participação das mulheres na vida política de seu país. Ela não teve receio em falar sobre as dificuldades que vivia sob o regime talibã e isso quase a vitimou. Um exemplo que atravessou o mundo como algo positivo e aplaudido pelas pessoas de bom senso. Mesmo aqui no Brasil o caso de Malala teve repercussão. Por que será que Jeguaká não teve a mesma sorte? Talvez porque pimenta nos olhos dos outros é refresco. Porque santo de casa não faz milagres. Porque em casa de ferreiro espeto de pau. São muitos porquês possíveis. Até porque o caso dele não é um caso isolado. Há centenas de meninos e meninas corajosos que teimam em não deixar “a peteca cair”. Não conhecemos quase nada sobre isso, pois a cobertura mediática não dá a mesma importância e prefere esconder o grito do povo “embaixo do tapete”.

Temos copa, já tomamos na cozinha e a cobertura de nossa Casa-Brasil segue o padrão FIFA: muito fru-fru, pouca efetividade. Parabéns ao menino Jeguaká. Parabéns a este Brasil escondido atrás das faixas que “gritam por nós”.

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