Depoimento emocionante da educadora Gislene de Freitas


Olá Daniel!
 
     Me chamo Gislene, sou pedagoga, mas trabalho como dinamizadora de biblioteca devido a uma perda auditiva. Nesse trabalho tenho contato com vários livros, inclusive os seus. Foi através desse contato que senti vontade de entrar em contato com você para partilhar meus sentimentos com relação às suas histórias, sua vida. Apesar de sermos de culturas diferentes, quando lia suas histórias eu ia sentindo o cheiro da terra, ouvindo o vento batendo nas folhas das árvores, sentindo a água fria do córrego, a fome que a gente sente depois desse banho e a comida gostosa feita no fogão de lenha preparada pela minha mãe. Ah, como era bom quando a família reunia em volta do calor do fogão de lenha e contávamos intermináveis histórias de família, quantas risadas, quanto calor humano. Quando pequena, como tinha piolhos (É uma pena que as crianças de hoje não pegam piolhos como nós!)  e por isso nós primos ou irmãos catávamos uns nos outros, ou às vezes nossa mãe nos colocava no colo para catar e enquanto isso quantas conversas e quantas vezes dormia no colo ouvindo as conversas dos adultos.
     Meu pai foi uma pessoa que sempre morou na roça, sempre plantou, criava animais, dependia da natureza e por isso a amava, a valorizava. Por isso também nos ensinou sempre a cuidar da mesma ( prefiro não usar o termo "preservar" ), porque cuidar é zelar, zelar é  atitude de quem ama e isso nosso pai nos ensinou. Ele nos passou isso não só com palavras, mas com atitudes, gestos, com a própria vida. A maneira como ele lidava com os animais, de como nos falava dos tempos da chuva e do frio, de como se plantava na terra e por causa de tudo isso, o nosso respeito, amor pelas coisas da natureza aumentava em nós. 
Meu coração hoje dói, Daniel, porque quem não viveu e não vive essa experiência com a natureza, penso que terá mais dificuldade de respeitá-la. Dia 07 desse mês levamos os alunos da nossa escola ( Colégio Estadual Rui Barbosa - Inhumas- GO) ao Memorial do Cerrado da PUC de Goiás. Durante a visita eu observava como a maioria dos alunos não interagia com amor, respeito com a natureza ali presente. Parece que existe dois mundos: o da cidade e do campo e que um vive sem o outro. Quando li o relato de Heloisa Prieto em seu livro "Um estranho sonho de futuro" a respeito da viagem de seu filho Lucas eu concordei plenamente com ela quando diz  que todo jovem deveria fazer essa experiência. Penso Daniel, que quanto mais o homem se distancia da natureza, quanto mais não lhe é permitido experienciar esses momentos em que nós experiementamos, mais o homem se desumaniza.
     Outro fato que gostei muito é o de você escrever histórias para crianças. É preciso que essa mentalidade de que índio é menos inteligente, é fragil e por isso até parece que não é gente, imagem essa que é muitas vezes é passada nos livros didáticos e na mídia, tem que acabar e suas histórias, sua pessoa, seu trabalho com certeza vem desmistificar essa imagem. Voltando mais uma vez a lembrança de meu pai, lembro que quando ele assistia alguma coisa na TV sobre os índios, uma das várias coisas que ele gostava e falava era o modo como os indios tratam as crianças. Nosso pai nunca nos bateu, sempre agachava para falar conosco, sempre nos ouvia atentamente quando falávamos com ele. Sua maneira de ser nos marcou profundamente na personalidade de todos nós os filhos. 
     Despeço-me agradecendo sua atenção! Será que seria possível pensarmos num contato entre você e nossos alunos?
Abraços
Gislene de Freitas.

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